A BACTÉRIA DA INOVAÇÃO

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O que a bactéria H. Pylori tem a ver com inovação ? Todo  mundo que um dia já teve uma úlcera gástrica conhece bem essa bactéria, ela se desenvolve no estomago, e é responsável por provocar a maior parte das úlceras e gastrites que muitos de nós um dia já desenvolvemos. A história da descoberta dessa bactéria pode nos ensinar muito sobre inovação, sobre a cegueira da atenção e sobre dissonância cognitiva.  A descoberta da bactéria H. Pylori prova que a nossa mente pode nos enganar, nos fazendo ver coisas que não existem ou nos deixando cegos para coisas que estão bem debaixo dos nossos olhos.

A nossa mente pode nos enganar, nos fazendo ver coisas que não existem ou nos deixando cegos para coisas que estão bem debaixo dos nossos olhos.

O nosso sistema de visão não é meramente físico, nós não enxergamos o mundo a nossa volta da mesma forma que uma câmera de segurança enxerga, aquilo que vemos ou aquilo que não enxergamos, é fruto de um conjunto complexo de interações neuronais que começam com a captação das imagens pelos nossos olhos  e terminam em uma estrutura que existe em nosso cérebro chamada de striatium. O trajeto das imagens que processamos em nossa mente é longo, só que não percebemos o tamanho desse trajeto porque tudo acontece de maneira quase instantânea em nosso cérebro.

Quando uma imagem é captada pelos nossos olhos através dos nossos nervos óticos, começa todo um longo caminho de processamento,  a imagem que captamos através dos nossos dois nervos óticos viaja para um parte posterior do nosso cérebro que fica localizada logo atrás da sua cabeça um pouco acima da nuca chamada de córtex visual. O córtex visual comprime a imagem captada pelos nervos óticos dez vezes, em seguida essa informação comprimida segue para outra parte localizada no centro do cérebro chamada de striatium. Nesse ponto a informação é novamente comprimida trezentas vezes até que a imagem chegue aos chamados núcleos basais que ficam no centro do striatium.

O trajeto das imagens que processamos em nossa mente é longo, só que não percebemos o tamanho desse trajeto porque tudo acontece de maneira quase instantânea em nosso cérebro.

É só neste ponto que damos sentido aquela informação e decidimos o que fazer a seu respeito, é aí que entendemos e descobrimos o que os nossos olhos viram. Só que tem um detalhe, apenas uma pequena parte da informação que captamos na retina chega  a ser processada, o restante dessa informação é descartada pelo nosso cérebro. Para fazer isso o nosso cérebro utiliza uma série de filtros para selecionar a informação que deve ser mantida e aquela que deve ser descartada. Esses filtros são comandados pelas nossas crenças, pelas nossas certezas, pela nossa experiência anterior e por tudo aquilo que consideramos como verdade.

O cérebro processa e seleciona as informações que serão aproveitadas utilizando modelos baseados nos hábitos, nos comportamentos e nas atitudes que geralmente utilizamos para lidar com situações e problemas parecidos com aqueles que estamos enfrentando naquele momento. Esse modelo é muito parecido com os algoritmos utilizados pelas redes sociais, pelo Google e pelo Netflix para sugerir que filmes devemos assistir, que informações nos interessam, ou que pessoas tem perfis parecidos com os nossos para nos apresentar. Esses algoritmos são inspirados nos modelos utilizados pelo nosso cérebro para processar informações.

Nosso cérebro compara as novas situações com as situações anteriores para fazer escolhas e tomar as suas decisões. A nossa mente reprocessa a imagem que captamos com os nossos olhos e adiciona nela significados para que ela possa ser compreendida pela nossa consciência. Tudo isso acontece em frações de segundos, na maioria das vezes, de maneira imperceptível. Os parâmetros utilizados pelo nosso cérebro para tomar as suas decisões são baseados em todo um histórico de escolhas, decisões e ações tomadas anteriormente.

A maioria de nós tenta resolver os problemas do presente, com base em soluções que deram certo no passado, o que nem sempre é eficiente, principalmente diante de cenários de mudanças aceleradas como o que vivemos hoje. A cegueira da atenção e a dissonância cognitiva nos afastam das novas soluções, elas nós fazem enxergar apenas os caminhos que já estão estabelecidos em nossa mente.

É importante que se diga, que não enxergamos com os nossos olhos, nossos olhos são apenas a porta de entrada dos estímulos que serão processados e irão ganhar sentido em nossa mente. Quando olhamos para alguma coisa e percebemos o que estamos vendo é o nosso cérebro quem está em ação para nos fazer entender, classificar, customizar, processar e dar sentido aquela informação. É a nossa mente que nos faz enxergar ou deixar de ver alguma coisa. O nosso cérebro nos mostra aquilo que ele está programado para ver, e elimina da nossa visão aquilo que ele não foi programado para enxergar.

Quando olhamos para alguma coisa e percebemos o que estamos vendo é o nosso cérebro quem está em ação para nos fazer entender, classificar, customizar, processar e dar sentido aquela informação.

São estes filtros mentais que determinam o que vemos e o que não vemos no ambiente a nossa volta. Vamos voltar então para a história da descoberta da bactéria H. Pylori, para ver o poder destes filtros em ação e entender como eles interferem naquilo que vemos. A bactéria H. Pylori foi vista pela primeira vez em  1979, eu digo vista, porque ela sempre esteve no estomago, só que ninguém conseguia enxergá-la. Não, não era um problema de equipamentos ou de metodologia, eram simplesmente duas armadilhas da percepção que estavam atuando em conjunto : a cegueira da atenção e a dissonância cognitiva que estavam fazendo com que nenhum cientista conseguisse ver e identificar a bactéria no estomago dos seus pacientes até aquela data.

Desde o início dos estudos da bacteriologia acreditava-se que as bactérias não podiam crescer e se desenvolver em um meio ácido, os estômagos são meios ácidos, portanto, tinham que ser necessariamente estéreis, ou seja, não podia existir nenhuma bactéria viva por lá. Essa era uma verdade estabelecida, um dogma que nunca tinha sido confrontado, uma regra aceita por todos os médicos, todos os bacteriologistas e por todos os patologistas desde sempre. Quando o patologista australiano Robin Warren viu pela primeira vez uma colônia da bactérias crescendo no estomago de uma paciente ele achou que tinha feito alguma coisa errada.

Quando Robin Warren ampliou as imagens 100 vezes e mostrou as seus colegas, o seus colegas simplesmente não viram o que Robin estava vendo. Robin então ampliou as imagens 1000 vezes, mesmos assim seus colegas continuavam insistindo que não havia bactérias crescendo naquela amostra de tecido do estomago. Robin então usou um microscópio eletrônico de alta potência, e ampliou ao máximo que a tecnologia da época permitia, agora todos os cientista podiam ver claramente as bactérias, mas mesmo assim, todos eles continuaram negando a sua existência.

Esse efeito é o que chamamos de dissonância cognitiva, isso acontece quando alguém prefere ajustar aquilo que está vendo às suas crenças a ter admitir que está errado. Nem que para isso, precise negar aquilo que está vendo ou acontecendo a sua volta. A cegueira da atenção age de maneira parecida, ela acontece porque a nossa atenção é dirigida para aquilo que estamos procurando ou esperamos encontrar, quando não estamos procurando ou não esperamos encontrar alguma coisa em determinado lugar, o nosso cérebro simplesmente elimina aquela informação do nosso campo de visão, não permitindo que ela chegue ao nosso nível de consciência.

Quando não estamos procurando ou não esperamos encontrar alguma coisa em determinado lugar, o nosso cérebro simplesmente elimina aquela informação do nosso campo de visão

Robin sabia o que estava vendo, ele tinha feito a descoberta de bactérias se desenvolvendo em meio ácido, ele tinha visto claramente que estas bactérias estavam nos estômagos daqueles pacientes e estavam provocando úlceras e gastrite. Toda a comunidade médica virou as costas para a descoberta de Robin, a crença de que não podia haver bactérias no estomago era mais forte do que as evidência cientificas apresentadas por Robin, mas ele não desistiu nem deixou se abater, ele seguiu em frente com a firme certeza daquilo que ele estava vendo, mesmo que todos os outros negassem as evidências apresentadas por ele.

Os seus colegas cientistas diziam que as bactérias não podiam estar ali, simplesmente porque ninguém nunca as tinha visto antes, durante dois anos, Robin coletou amostras que mostravam claramente as bactérias crescendo no estomago, ele descobriu que 90 % dos pacientes que apresentavam essas bactérias apresentavam ulceras no estomago e que todo paciente que tinha ulcera no duodeno tinha essa mesma bactéria. Foram necessários mais quatro anos de pesquisa para provar uma coisa que estava ali na cara de todos os cientistas, mas que ninguém conseguia ver, ninguém a não ser Robin Warren.

Em 1984, Robin escreveu uma carta a prestigiada revista Lancet relatando as suas descobertas, o seu artigo quase deixou de ser publicado porque ninguém acreditou que aquilo podia ser verdade, mesmo assim o editor da revista Lancet resolveu publicar o artigo. Depois do artigo publicado dezenas de outros cientistas começaram a rever as suas pesquisas e as suas amostras, e milagrosamente começaram a ver a bactéria H Pylori em milhares de amostras de tecidos do estomago distribuídas em centenas de centros de estudo ao redor do mundo. De uma hora para outra, aquilo que ninguém conseguia ver, passou a ser visto por todos.

Em 2004, Robin Warren ganhou o Prêmio Nobel pela descoberta da bactéria H. Pylori, uma bactéria que estava à vista de todos, que aparecia em centenas de amostras de tecido e ninguém via simplesmente porque a mente dessas pessoas estava programada para não ver. A crença de que uma bactéria não podia crescer e se desenvolver em meio acido tinha cegado a visão de todos os outros cientistas. A maioria deles estava cara a cara com a bactéria H. Pylori todos os dias, mas a sua mente e os seus olhos preferiram dar ouvidos a verdade que estava estabelecida. Eles não viram, porque a sua mente os fazia não enxergar.

Que lição podemos aprender com história do Dr. Robin Warren e com a pesquisa que revelou ao mundo a bactéria que estava escondida á vista de todos os médicos. A lição é essa : nunca aceita uma verdade, um dogma ou uma crença apenas porque ela está estabelecida e todo mundo concorda com ela, toda vez que você começar a ver uma coisa que ninguém mais está enxergando, não pense que você está ficando louco, pesquise mais um pouco para comprovar a sua visão e o seu ponto de vista.

Nunca aceita uma verdade, um dogma ou uma crença apenas porque ela está estabelecida e todo mundo concorda com ela

Não desista da sua visão apenas porque ninguém está enxergando aquilo que você está vendo, siga em frente, trabalhe mais, pesquise mais, busque mais informações até que você tenha a certeza daquilo que você está vendo, não permita que as armadilhas da percepção afastem você do seu caminho. Mantenha seus olhos firmes e a sua mente aberta para o novo, para o inusitado, para aquilo que é incomum, não limite as suas escolhas, os seus pensamentos e as suas ideias. Quando você encontrar algo novo, não feche os olhos,  não ignore o que você está vendo, mesmo que todo mundo a sua volta, não consiga enxergar, as coisas do mesmo jeito que você vê.

 

Autor: Prof. Jorge Menezes é palestrante, jornalista, escritor, colunista nas áreas de empreendedorismo e negócios. Apresentador do Canal Radar Executivo no YouTube e do Podcast Radar Executivo no Spotify. É autor de vários best-sellers: Aprenda a Negociar com os Tubarões® (2013), Transformando Networking em Negócios® (2015) e O Código Secreto da Venda® (2020) todos publicados pela Editora Alta Books – Contato: (81) 9 9119-5002 Whatsapp

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